domingo, julho 11, 2010

Pedro Ludovico e seu cavalo

Por Deolinda Taveira*
Neusa, sob encomenda da Prefeitura de Goiânia realizou a obra de sua vida, uma escultura eqüestre, representando Pedro Ludovico em seu cavalo no momento que buscava (teoricamente) área para construir a nova Capital. Da Prefeitura de Goiânia levou o maior calote, durante anos passou a vergonha de implorar por ajuda para terminar a obra e finalmente, o Governo do Estado, através da AGEPEL, após a morte da escultora assumiu a dívida com a fundição. Era um desejo dela que o bronze fosse de ótima qualidade. Paga a fundição e a obra pronta para voltar à Goiânia, a AGEPEL apresenta uma proposta de fazer a instalação da obra no morro do Serrinha – um paliteiro de antenas -, pois historicamente, foi nesse morro que Pedro Ludovico teve uma visão geral da área escolhida para instalar a nova Capital.

Depois de tantos anos de idas e vindas, ou melhor, de miséria para a autora da obra e de descaso com a própria obra, finalmente, uma luz no fim do túnel, a licitação para a feitura do pedestal e instalação da escultura, porte monumental, no morro do Serrinha. E eis que recomeçam os discursos dos contra e dos a favor, neste caso, nem estou contra e nem a favor, em especial que acredito que representar Pedro Ludovico a cavalo é desmerecer o homem contemporâneo, urbano até o ultimo fio de cabelo e o seu terno de linho branco, todo estiloso!

No inicio de 2009 , segundo os jornais locais, 3 mil pessoas se reuniram para um abraço no Serrinha e defendiam a implantação de um parque ecológico, e aparentemente, o maior impedimento era o fato da área pertencer ao Estado e não a Prefeitura. Não me recordo em que época li no DM, salvo engano, um artigo assinado por Osmar Pires, professor e primeiro e efetivo secretário de Meio Ambiente de Goiânia, defendendo a instalação de um parque naquela área e com destaque, a colocação da escultura de Neusa Moraes, até mesmo por que tanto a autora quanto o representado careciam das homenagens! Em 2010, um pastor, a despeito da origem “alienígena”, em seu favor há que se dizer que em várias ocasiões promoveu ações a favor do patrimônio cultural goianiense e em outras, como no caso da escultura do Bandeirantes o linchamento de símbolos, faz aprovar na Câmara Municipal, sem consulta popular, uma lei que obriga a instalação da escultura eqüestre de Pedro Ludovico na Praça Cívica.

Acredito que está faltando um pouco de bom senso nessa polêmica, pois como é possível, um defensor do patrimônio cultural goianiense, fazer votar uma Lei que obriga uma praça já saturada, que já não cumpre a função idealizada pelo autor do projeto Attílio Correa Lima e também pelo fundador da cidade Pedro Ludovico, que seria a função de centro cívico, a dar abrigo a mais um objeto estranho a mesma. E a pensar que a Praça Cívica é um bem cultural com tombamento federal, estadual e municipal. Ou será que o autor do projeto desconhece que a praça é totalmente ocupada, diariamente, como estacionamento? Não desempenha o papel de espaço de convivência e manifestações cívicas e nem é preciso recordar que já houve o primeiro erro, com a retirada do obelisco central, para fazer ali, a instalação do Monumento as Três Raças. E o segundo com a permissão para esse tipo de ocupação (estacionamento).

E como se não bastasse, agora vão colocar o cavalo lá? Uma escultura gigantesca, que precisa de espaço para ser vista e apreciada. Inserida no cantinho da Praça, bem defronte a uma das fontes que foram desativadas, por absoluta falta de manutenção, e que serve de dormitório a moradores de rua , quem vai ver? E quantos anos levará para a Prefeitura retirar o velho barracão do local? E as velhas árvores que com certeza serão mortas para deixar pastar o cavalo de bronze ?

É lamentável, do mesmo modo que a Rua 20 desapareceu na sua configuração original e a arquitetura modernista que vem sendo demolida sistematicamente, tida com sem valor, diante da imponência simplista da art déco goianiense. O que na verdade representa, em uma visão bem singela, que a estética do belo, que pautou a construção de Goiânia, deixou espaço para a ausência total de estética, de identidade. Observem a nova arquitetura local, onde foi parar o belo, os detalhes, as diferenças, a estética???

Mas uma vez, assistiremos estupefatos, sendo colocado o cavalo na Praça, a essa ausência de senso estético, que se vangloria de instalar “palitos luzidios ” em viadutos e que a mídia local, acrítica, adota como símbolo de modernidade, e nem preciso comentar da humilhação e a vergonha (diante de tanto provincianismo) de Pedro Ludovico, montado em seu cavalo, disputando o espaço e a visibilidade com um estacionamento de carros ou barracas natalinas, ou feiras.

Por que será que o Monumento do Ipiranga (SP) é tão espetacular? Por que, dentro outros motivos, pode ser visto em uma Praça aberta.

A Praça Cívica é do povo, é a Praça das manifestações cívicas.

Que Pedro Ludovico, do alto do Serrinha continue a apreciar a cidade que criou, e que veja como ela se perdeu, em engarrafamentos e se expandiu, muito mais do que sonhou, e aproveitando a sua presença no local, que seja realidade um Parque Ecológico temático. Goiânia não é mais só o centro – abandonado por sinal – mas, gigantesca, esparramada, derramada, viva. Vamos respeitar a obra de Neusa, que muito sofreu para realizá-la e a memória de um homem que estava além do seu tempo, um homem contemporâneo.

*Deolinda Taveira é Conservadora Restauradora de Bens Culturais e publica o blog “AMIGOS DOS MUSEUS “
http://amigosdemuseu.blogspot.com

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