ENTREVISTA/GIlVANE FELIPE
Peço uma trégua de seis meses’
por Rógerio Borges para O POPULAR
Gilvane Felipe mal tomou posse na presidência da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico (Agepel) e já está às voltas com mudanças. Neste momento, a mudança é física. Seu atual gabinete, no Palácio Pedro Ludovico, é provisório. "Estamos de mudança para o prédio da antiga Procuradoria do Estado, na Praça Cívica", anuncia o novo titular da pasta. "Fica em frente ao Palácio das Campinas, antiga sede da Prefeitura de Goiânia. Vamos fazer uma coisa bacana lá", garante Gilvane, já se mostrando bem à vontade em sua nova função. Nome desde o início ventilado para compor a equipe de Marconi Perillo e após receber apoio de vários representantes de segmentos culturais, o ex-secretário de Ciência e Tecnologia e ex-superintendente do Sebrae assume a Agepel com alguns desafios. Na entrevista que concedeu ao POPULAR, ele assegura que vai lutar pela implementação do Fundo Estadual de Cultura, anuncia que promoverá mudanças no Fica, garante que não se importa em não administrar o Centro Cultural Oscar Niemeyer - atribuição que ficou com um grupo de gestão dirigido por Nasr Chaul - e pede trégua aos que viram sua indicação com ceticismo.
Quais são as prioridades de sua gestão na Agepel? Há mudanças à vista?
As nossas diretrizes serão definidas num planejamento estratégico participativo. Estabelecemos três eixos. O primeiro deles é a participação. Nesse processo de planejamento estratégico participativo, todos os segmentos que têm ligação direta ou indireta com a Agepel serão ouvidos. O segundo é o da inovação. A inovação tanto do processo produtivo interno como de programas e projetos. Eu fiz isso na Secretaria de Ciência e Tecnologia e no Sebrae e deu certo. O terceiro pilar será a universalização do acesso aos bens culturais. Queremos fazer com que a Agepel deixe de ser aquele local em que apenas uma pequena minoria é atendida, um pequeno número de cidades eleitas recebe ações da Agepel. Queremos que todas as regiões recebam essas ações. Vamos lançar um mapeamento econômico-cultural do Estado. Queremos saber quem produz cultura, o que, onde, quanto isso gera, quanto a produção cultural representa no PIB de Goiás. Não queremos que a cultura seja vista mais como um luxo, um capricho dos governos e, para muitos, uma despesa desnecessária.
Há a chance de alguns dos grandes eventos, hoje concentrados em poucas cidades, serem itinerantes?
Essa é uma ideia que considero um pouco temerária. Ela não tem minha simpatia inicial, a não ser que o planejamento estratégico participativo defina o contrário e que o conjunto dos artistas venha com argumentos consistentes e sólidos. Mas a minha opinião inicial é que esses eventos têm em seu DNA o local em que foram criados. O que não implica que não possamos criar eventos itinerantes. Temos de manter essas estacas firmes e lançar novas, usando e abusando do que há de mais moderno, das mídias digitais. Acho que devemos e podemos avançar muito nisso. Eu estou otimista por dois motivos. Primeiro porque o segmento cultural, em sua grande maioria, respondeu bem à indicação do meu nome. Segundo, tive do governador um compromisso forte de que a cultura será valorizada. Eu acredito que nós, trazendo pessoas para nos ajudar a gerir as políticas culturais do Estado, construindo alianças com entidades e outras secretarias poderemos colocar o Fundo Estadual de Cultura para funcionar e ter um sistema estadual de cultura, montar uma rede para intercambiar informações.
Muitos segmentos culturais aprovaram seu nome para a Agepel, mas algumas pessoas se mostraram ressabiadas, se perguntando qual seu nível de intimidade com a área.
Foram poucas pessoas que levantaram essa questão. A maioria conhece o que nós realizamos na área de cultura, particularmente no Sebrae. O Sebrae de Goiás não tinha nenhum trabalho na área quando chegamos e lá criamos a primeira unidade de cultura do sistema Sebrae em todos os 27 Estados. Esse reconhecimento da maioria dos produtores culturais ao meu nome vem daí. Não é porque sou um artista. Posso até ter sido um menino arteiro, mas não sou artista. Sou historiador e me considero um pesquisador. Não estou aqui para concorrer com nenhum artista. Estou aqui porque a cultura merece uma gestão profissional, moderna, eficiente e participativa. Isso eu sei fazer. Sei lidar com pessoas, programas, resultados, novas tecnologias. Tenho sensibilidade com o segmento cultural. Às pessoas que duvidam, que são céticas, eu peço uma trégua de seis meses. Todo governo democrático merece uma trégua, mesmo que a gente tenha votado em outros, para que as pessoas se estabeleçam, mostrem seus planos, suas intenções. Não estou dizendo que sou melhor. Estou dizendo que consigo gerir a pasta da cultura porque tenho capacidade e formação para isso. E tenho muito trânsito junto ao governador.
Você chega a um governo que rompeu com a administração anterior. Como é receber a Agepel nesse contexto ? Existem pressões para interromper ações da gestão anterior?
Eu já vivi experiências piores. Eu fiz parte do primeiro governo Marconi. A radicalização ali foi bem pior. Quando assumimos em 1999, a coisa ali estava muito conflagrada. Não o governador, mas algumas pessoas do governo na época defendiam até caça às bruxas. Eu nunca entrei nessa onda porque não acredito nisso. Quando você assume uma gestão, é preciso ter os olhos no futuro. Eu não sou, de forma alguma, apegado a picuinhas. Eu não ficaria aqui procurando cabelo em ovo. Minha vontade aqui é virar a página.
Houve, na gestão anterior, mudanças importantes na Lei Goyazes. Você as aprova?
As mudanças não foram feitas nos gabinetes e sim coletivamente. Foram mudanças positivas. O que não significa que ainda não haja mudanças que precisam ser feitas. A maior reivindicação que tenho ouvido é a implementação do Fundo Estadual de Cultura. Esse é um desafio. Sou um otimista e terminaremos a nossa gestão com o Fundo Estadual de Cultura funcionando.
Um fundo com 0,5% ou 1% do orçamento estadual?
Essa questão, hoje, não está bem definida. No debate eleitoral, o senador Marconi assumiu o compromisso de, gradativamente, aumentar a dotação da cultura até chegar a 1%.
O Centro Cultural Oscar Niemeyer terá um grupo de gestão próprio, com a possibilidade de outras unidades também saírem da responsabilidade da Agepel. Essa divisão não pode gerar atritos?
Nasr Chaul foi meu professor, somos antigos amigos. Nós temos uma relação pessoal e política excelente. Acho que ter uma gestão para um espaço como o Oscar Niemeyer é uma medida correta. Não é o filé mignon da política cultural gerir espaços. Não vejo nenhum problema. Pelo contrário. Nesse momento, em que ainda há algumas pendências, com a assinatura até de um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, é interessante que haja esse grupo executivo para que a Agepel possa cuidar das políticas culturais. Vejo isso como uma fase. Não haverá nenhum confronto. Isso não vai gerar dois polos de poder na cultura goiana.
Isso não esvazia a Agepel?
De forma alguma. Pelo contrário. Nesse momento, esse comitê torna mais leve a gestão da Agepel. Quer outro problema que eu passaria agora para o Chaul, se o governador desse o endosso? A questão da estátua do cavalo do Pedro Ludovico. Eu passaria isso ontem!
Problema que vem desde os tempos de Chaul na Agepel.
Sim, vem de muito tempo. É por isso que eu digo que o gestor, muitas vezes, perde muito tempo com questões que, comparadas com a grandeza da política cultural no Estado, são problemas menores, pontuais. Eu sou favorável a vários espaços terem também gestões autônomas. Por exemplo, o Martim Cererê. Eu não tenho nenhuma objeção que estabeleçamos um contrato de gestão com uma Oscip, com prestação de contas, metas a ser atingidas, da maneira mais transparente, para administrar o Martim Cererê. Isso não esvazia a Agepel.
O Fica é o principal evento cultural do Estado. Já surgiram propostas de mudanças em seu modelo de financiamento. Como você encara essa questão?
O Fica deve ter aprovação massacrante da população, mas existem críticos mordazes do evento. Já vieram me defender, inclusive, a extinção do Fica. Queremos reinventar o Fica, renová-lo. Não queremos que ele caia na mesmice. Eu pretendo já neste ano ter um fórum de discussão sobre o festival. Queremos recuperar o glamour do evento, que ficou meio esmaecido nesses últimos anos. Acho que tem de trazer grandes nomes. Todos os grandes festivais levam esses nomes, por que essa visão provinciana de que não podemos trazer? O orçamento do Fica precisa ser repensado. Discutia com o Nasr Chaul que a maior parte dos gastos do Fica na gestão dele vinha da iniciativa privada. Isso mudou. Hoje, o recurso que banca o Fica vem dos cofres públicos. Minha meta é voltar ao que era antes. Envolver o financiamento privado, grandes empresas em seu financiamento.
Desafios para a Agepel
Ao menos por enquanto, Gilvane Felipe, o novo presidente da Agência Cultura Pedro Ludovico (Agepel), pode contar com a boa receptividade dos artistas e produtores culturais goianos. O espaço dado à cultura em sua gestão à frente do Sebrae deixou muito gente otimista com sua atuação à frente do órgão estadual. Embora não seja um artista, é reconhecido por muitos como capaz para o cargo e interessado pessoalmente em cultura e artes. Questões como projetos que tenham continuidade, e não apenas eventos, assim como o cuidado com a interiorização da cultura e o acesso da população aos bens culturais foram as principais demandas citadas pelos entrevistados do POPULAR.
Vera Bicalho, diretora geral da Quasar Cia. de Dança, destaca que o gestor cultural, independentemente da origem, tem de ter "a preocupação em dar fomento em todas as áreas de manifestação cultural". No entanto, ressalta, além de estabelecer programas de incentivo, é preciso estimular a manutenção e a circulação da arte e da cultura.
"Eventos e leis de incentivo à cultura são importantes, claro, mas infelizmente eles não contemplam a amplitude que é a manutenção e a difusão de projetos, seja aqueles que já estão em andamento ou de novos projetos, trabalhos de grupos já estabelecidos ou de iniciantes. É preciso dar valor aos grupos locais."
"Aproximar o povo da cultura." Esta é a principal preocupação de Hélio Moreira, presidente da Academia Goiana de Letras. Para ele, a crença de que a população em geral não aprecia a leitura não procede. "Na verdade o povo não lê porque não tem acesso. Temos um projeto em que crianças da rede pública de ensino são levadas a conhecer a nossa sede e elas adoram, é emocionante ver o interesse delas. Sei que pode parecer restrito, mas se ninguém fizer a sua parte", comenta Hélio Moreira.
Outra questão apontada por ele é a valorização da cultura popular do interior, citando como exemplos a Orquestra de Violeiros de Mineiros e o museu de Itaberaí. "Na gestão anterior a cultura em geral não foi bem contemplada. Desta vez, acho que poderemos manter um diálogo que valorize a cultura goiana. Defender a literatura goiana é prerrogativa nossa, mas não a única."
O dramaturgo, diretor e ator Marcos Fayad está esperançoso quanto ao novo titular da Agepel, elogiando suas credenciais. "O Sebrae nunca contratou ninguém que não fosse bom, então as expectativas com o Gilvane são boas, sim", diz o diretor. Para ele, a missão da Agepel é árdua, pois as demandas culturais em Goiás são tantas que chega a ser difícil apontar as mais urgentes.
Ele destaca, mesmo assim, que dentre os desafios da nova administração um dos principais seria promover mudanças na Lei Estadual de Incentivo à Cultura, a Lei Goyazes. "Com os recursos obtidos com a lei, a gente consegue montar um espetáculo, apesar das dificuldades, mas não consegue custear uma temporada. Não há como ter continuidade."
Presidente da Associação Brasileira de Documentaristas, seção Goiás, Leandro Cunha argumenta que o novo presidente da Agepel foi um bom administrador do Sebrae. "Espero que ele traga a experiência adquirida lá, na área específica da cultura, para a Agepel." Leandro destacou o interesse do Sebrae no audiovisual, citando iniciativas com o empório realizado durante várias edições do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental de Goiás(Fica).
O Fica, um dos eventos de maior visibilidade da Agepel, ressalta Leandro, é um dos exemplos da política cultural que deve ser mantida, mas ele tem suas ressalvas. "O Fica é muito importante para o desenvolvimento do audiovisual em Goiás, mas aspectos como a produção e a exibição precisam ser tratados com um perfil de continuidade, não só de evento em si."
Considerada um dos focos da música sertaneja do País, Goiânia tornou-se também, desde os anos 90, símbolo do rock alternativo e independente. Fabrício Nobre, um dos criadores da Monstro, produtora cultural responsável por parte considerável da cena roqueira goiana que tem projeção no País e no exterior, defende uma política cultural de "ocupação plena dos espaços culturais existentes".
O uso equilibrado do Fundo Estadual de Cultura e a interiorização da política cultural são outros pontos citados por Fabrício, assim como a repaginação dos eventos oficiais. "Porém, é preciso em primeiro lugar fazer um mapeamento dos eventos e projetos culturais existentes no Estado. A Agepel precisa saber o acontece na área cultural e não só as coisas estabelecidas."
Nenhum comentário:
Postar um comentário