O tempo passa, o tempo voa e em Goiânia o arbítrio continua a imperar na gestão municipal da cultura.
Os Fundos de Cultura são fundamentais e verdadeiramente deveriam estar à serviço da produção. No caso da Lei Municipal de Goiânia o FAC nada mais é um orçamento extra, utilizado ao bel prazer do secretário.
Questionado judicialmente através de representação junto ao Ministério Público Estadual e também em uma Ação Popular, o desvio de finalidade do FAC, morosa e convenientemente as respostas da justiça caminham a passos de tartaruga. Por que será?
Acredito que na cultura tudo é diferente, pois, recentemente um arbitra de futebol foi presa e acusada de fraudar um concurso público. A moiçola apitava o jogo em Anápolis e enquanto isso, uma amiga, se passando por ela, participava em Goiânia da prova do concurso da Secretaria Estudual de Educação.
E na Cultura? O FAC passa a servir ao Executivo Municipal, quando deveria atender as demandas da classe produtora, a 3ª Conferência Municipal de Cultura elege fraudulentamente os novos Conselheiros de Cultura e até mesmo as obras de artes pertencentes ao município podem ser objeto de permissão de uso para particulares. E nada disso parece causar espécie no judiciário goiano. Acumulam-se, esquecidas, nas Varas Municipais as ações contra os atos do secretário municipal de cultura de Goiânia. E diga-se de passagem, nem mesmo, as ações apresentadas pelo Ministério Público Estadual logram sucesso. Os artistas e produtores goianienses interrogam-se sobre a importância da cultura. Afinal apitar jogo e fazer prova ao mesmo tempo é 171 e na cultura?
E acreditem, ainda me esforço para manter a fé na justiça.
Abaixo segue a matéria que inspirou essa reflexão ou seria constatação?
Qual incentivo?
O POPULAR ouve artistas, produtores e
agentes públicos sobre qual é o melhor
caminho para apoiar o setor cultural
Por Edson Wander
Num sobrado alugado no Setor Itatiaia II, região norte de Goiânia, um projeto de descentralização cultural funcionou por dez meses. Iniciado em março de 2005 por um grupo de artistas e produtores, o Comunidade Fazarte teve aprovado projeto na Lei Municipal de Incentivo à Cultura em 2004, captou R$ 44 mil e bancou, entre outras coisas, o aluguel da casa que dava guarida às atividades de ensino-aprendizagem cultural da comunidade ao redor. Findo o dinheiro público que deu “start” ao Fazarte, os coordenadores buscam agora caminhar com as próprias pernas.
O Fazarte é, no entanto, uma das poucas iniciativas culturais em Goiás que se incomodam com a dependência de verba pública. Vários artistas reclamam freqüentemente da “falta de apoio público” para seus projetos. Diante de tantos reclames, O POPULAR foi ouvir agentes públicos e privados acerca dos propósitos das leis de incentivo, na maioria das vezes única forma de realização cultural.
Segundo Patrícia Vieira, da coordenação do Fazarte, um grupo de produtores e professores ligados ao projeto se reunirá na sexta-feira para traçar planos à continuidade das aulas artísticas ministradas para e com o envolvimento da comunidade. E continuar envolvendo a comunidade é uma das saídas já em estudo, diz ela. “Tem gente que propôs até que nos cotizássemos para bancar o aluguel de uma casa que funcionasse como sede”, afirma Patrícia.
“Mas a saída será mesmo o voluntariado, a doação do trabalho abnegado das pessoas, dos professores que nos apóiam. Se o professor Guaraná [de capoeira de Angola] se dispuser a dar aulas na praça, ok, é por aí que vamos caminhar. Estamos conscientes de que não dá mais para ficar dependente de verba pública”, afirma Patrícia, sem deixar de criticar as políticas de fomento na área cultural.
“Tentamos parceria com a prefeitura de Goiânia e entramos com projetos na Goyazes [a lei estadual de incentivo], mas o retorno foi dos mais incoerentes. A verdade é que o Estado é um grande produtor e não se interessa por projetos de arte-educação”, reclama a produtora cultural.
Reclamações
A dificuldade de conseguir apoio público ou patrocínio privado é generalizada no meio artístico goiano. Um sem-número de artistas e produtores goianos reclama de critérios e burocracias para trabalhar com esses instrumentos de fomento, já adotados há cinco anos tanto pelo governo estadual quanto pela prefeitura da capital. Em 2004, a produtora e selo musical Monstro Discos teve rejeitado pela Secretaria Estadual da Fazenda um patrocínio de R$ 100 mil oferecido pela distribuidora da Coca-Cola em Goiás para a realização do 10º Festival Goiânia Noise. “A alegação da secretaria na época foi de que essa renúncia estouraria o orçamento do Estado naquele mês”, recorda Leonardo Ribeiro, o Léo Bigode, um dos sócios da Monstro Discos.
Sem o apoio, o festival não arrefeceu, mas teve que recuar no show internacional que anunciara (da banda norte-americana MC5). Cancelou a participação dos gringos e reviu custos e programação. “O engraçado dessa história é que nós não podemos usar um patrocínio de R$ 100 mil, mas o governo apoiou o filme de Zezé Di Camargo com um valor muito superior a isso”, critica o produtor e baterista Léo Bigode. Ele se refere aos cerca de R$ 600 mil dado ao filme dos irmãos cantores pelo governo de Goiás, via Lei de Incentivo à Cultura do Estado (Lei Goyazes).
“O problema destas leis é que, além de colocar os artistas de pires na mão atrás de patrocínios, elas facultam aos próprios governos disputar os minguados recursos com os artistas”, diz Lucas Faria, músico e economista. Segundo Faria, há pelo menos dois artigos “equivocados” na Lei 13.613, a Lei Goyazes, cujo texto foi assinado pelo governo em maio de 2000. Lucas Faria se refere aos artigos 5º, que estabelece o percentual máximo (5%) de crédito outorgado (prorrogação de imposto devido por 60 dias) às empresas patrocinadoras de cultura no Estado, e ao 7º, que define os beneficiários da lei em dois incisos. No entendimento de Faria, o art. 5º inviabiliza na prática a concessão da prorrogação dos créditos caso algumas empresas patrocinem vários projetos num único mês.
“Se essas empresas somarem mais de R$ 150 mil em patrocínios, que é o teto admitido na lei, esse valor de fato furaria o caixa do governo. Ora, se não pode conceder de fato, por que estabelecer de direito?”, questiona o músico-economista, que diz preferir que o governo adotasse um Fundo Estadual de Cultura.
Fundo de cultura
E este Fundo está a caminho. A Assembléia Legislativa de Goiás aprovou no último dia 21 o projeto de lei nº 68/2006 que cria o Fundo de Arte e Cultura de Goiás, apelidado de “Fundo Cultural”. De autoria do Executivo e apresentado pelo deputado Fábio Tokarski (PCdoB), o projeto objetiva dotar o Estado de um mecanismo de incentivo direto (com dotação de 0,5% da receita líquida do governo, algo em torno de R$ 36 milhões anuais), mas Lucas Faria chama atenção para artigos da proposta que “não blindam a lei da participação direta do próprio Executivo na verba em benefício próprio”.
O parágrafo único do Art. 4º assinala que “observada a legislação vigente, poderá a Agepel, com a aprovação do Conselho Estadual de Cultura e ouvida a Secretaria do Planejamento e Desenvolvimento, baixar normas e instruções complementares e estabelecer planos de aplicação e utilização dos recursos do Fundo”. E Lucas volta a questionar: “Alguém duvida que o Conselho não se oporia às iniciativas do governo?”
Presidente da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (Agepel), Nasr Chaul admite os problemas da lei, mas acha que é uma questão de “maturação” da legislação entre os próprios produtores, artistas e empresários. “Nossa média de projetos contemplados é muito boa se considerarmos que o Estado não tinha nada antes. E isso só não foi mais amplo porque estamos ainda num processo de sedução do empresariado e formação de captadores no meio artístico”, disse Chaul.
Sobre a possibilidade de projetos do Executivo estadual competirem com os da demanda dos artistas pelas verbas autorizadas via Lei Goyazes, o presidente da Agepel reconhece que a lei faculta, mas diz que a agência “nunca usou nem vai usar desse recurso”. A afirmação do presidente da Agepel responde também à crítica velada de artistas e produtores goianos de que a Agepel estaria usando a lei na realização de projetos de vulto do governo, como o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica) e o Festival Canto da Primavera. “O Fica tem uma rubrica própria no Produzir Cultural, não precisa lançar mão da lei”, rebate Chaul.
Sobre os vários aspectos levantados sobre a Lei Goyazes e o vindouro Fundo Cultural, Chaul diz entender a função “reguladora” que a Secretaria da Fazenda tem sobre os projetos culturais aprovados e que a proposta de criação do Fundo Estadual de Cultura é um projeto do governo para ampliar as políticas estatais. A respeito da crítica de que o Fundo não estaria “blindado” à utilização do poder público, Chaul responde que a lei “faculta, mas não obriga” e que a “Agepel será a gestora do Fundo para ajudar aos outros e não a si própria”.
“Além do que, a lei do Fundo precisa ser regulamentada ainda, ela sequer foi aprovado pelo governador”, informa. Sobre as reclamações freqüentes da classe artística, Chaul acha “ruim” a dependência buscada pelo meio cultural. “Há casos de projetos que pedem R$ 400 mil quando se sabe que não precisariam nem da metade. Tem gente que quer sobreviver de projeto cultural.”
No caso da lei municipal, o quadro não muda muito. O Decreto nº 2040, de 15 de junho de 2005, determina que os recursos “aplicam-se também aos projetos culturais do Poder Executivo Municipal, não estando os mesmos sujeitos aos limites estabelecidos no artigo antecedente” (sobre Art. 1º da lei que criou o FAC). Já o Art. 45 estabelece que os “projetos oriundos do Poder Executivo Municipal, financiados pelo FAC, deverão ter seu mérito apreciado pelo Secretário Municipal de Cultura”. A reportagem tentou ouvir o secretário municipal de Cultura, Kleber Adorno, mas até o fechamento da edição ele não havia retornado aos pedidos de entrevista solicitados à assessoria.
Fonte: Jornal O POPULAR - MAGAZINE - 02/04/2006.
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